Autor Tópico: Tolkien E A Mitologia Nórdica  (Lida 7230 vezes)

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Offline Idril

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Tolkien E A Mitologia Nórdica
« em: Janeiro 26, 2006, 10:18:59 am »
Título: Tolkien E A Mitologia Nórdica
Autores: Alessandro "Feanor" Gambino, com revisão de Gianluca Comastri
Tradução: Ariadne "Idril" Rodrigues


1 - Introdução

Fazer comparações entre paganismo escandinávo e paganismo Ilúvatariano, inventado por Tolkien para a sua Terra-média, é uma tarefa decididamente mais complexa do que pode parecer no começo. Se por um lado, Tolkien era muito fascinado por esta antiga e complexa fonte mitológica, por outro, o excêntrico professor de Oxford era um homem beato que muito valor dava aos ensinos religiosos.

A primeira vista notam-se semelhanças evidentes entre as duas mitologias, mas observando com maior atenção, notaremos como estas semelhanças são puramente formais.

Explicarei melhor, tentando, com a minha limitada capacidade,  resumir as peculiares características da mitologia escandinava, e mais em geral da mística germânica, comparando àquela da Terra-média. A dificuldade que encontramos em resumir tal argumento está essencialmente na vastidão de fontes que um jovem estudioso (o qual me considero) encontra para examinar.

Qualquer pessoa que quisesse se informar sobre as sagas escandinavas divinas e heróicas deve dar de cara com uma série de versos de origem um tanto arcaicas (do século V ao X d.c.), que freqüentemente estão em contradição entre si, sendo que foram escritas por diversas pessoas em idades diferentes.

A literatura escandinava está necessariamente dividida em duas ramificações. A primeira é a Eddica, poesia mais arcaica e conseqüentemente mais rude e introvertida em sua forma; a segunda é a Escaldica, poesia mais recente e compreensível porém influenciada pela difusão do Cristianismo.

Como se isso não bastasse é indispensável estudar alguns poemas considerados jóais milenares da literatura germânica. Estão entre eles o poema saxão Beowulf e o alemão Siddgurd (Sigfrido), que narram as empreitadas de dois "heróis divinos".



2 - A Teoria

Uma vez que conseguimos esquematizar a enorme gama de informações a serem estudadas, em seguida aparece à tona as primeiras semelhanças entre as duas mitologias. Em ambas, há uma figura que eleva-se em sabedoria e prudência acima das outras: Odin entre os Aesir, Manwë entre os Valar. Todos os deuses podem se machucar fisicamente e morrer. A cada deus destina-se uma tarefa ou uma função. Thor e Tulkas, por exemplo, ambos são campeões, menos rovidos de sabedoria do que os outros, mas inigualáveis em força. A aparência deles também é parecida, sendo ambos loiros, altos e poderosos. Há também um renegado em ambas mitologias - obviamente estamos falando de Melkor entre os Valar e Loki entre os Aesir.

Os Salões de Mandos poderiam ser tranqüilamente comparados ao Valholl, onde repousam os heróis vikings mortos em batalha. Lá eles estão ocupados com as mesmas atividades que desenvolviam enquanto vivos (cavalgam, se divertem em combates simulados, banqueteiam e bebem a vontade).

As semelhanças não são poucas também nas alegorias. À Yggdrassil, o freixo do mundo, correpondem Teleperion e Leurelin, as Árvores da Luz.

A figura correpondende a Oromë, que cavalga em seu cavalo branco tocando sua trombeta, é Odin, que caça montando em seu cavalo de oito patas em noites tempestuosas.

As espadas como Anglachel e Narsil também podem ser lembradas em espadas como Tirfing, a espada de Loki que era maldita como a lâmina negra de Ëol; além disso ela foi destroçada por Thor, sendo a única arma capaz de causar danos ao grande freixo.

Finalmente não podemos esquecer da presença, na mitologia escandinava, de uma camada de semideuses e gigantes na qual poderíamos encontrar facilmente muitos dos Maia da Terra-média e dos quais fazem parte raças como elfos, anões, Troll, Goblin (pequenos Orcs) e assim vai.

Uma vez justificadas essas evidentes semelhanças, deve-se cumprir um outro passo importante para entender que no fundo essas semelhanças são de caráter meramente formal.

Não se pode esquecer que a religião de uma população não é nada mais que o espelho de seus princípios, de seus hábitos e de seus costumes ¹. Enquanto fascinante e sobre certos aspectos "democrática",  a sociedade viking também fora sempre violenta e ignorante ². Conseqüentemente a sua religião não podia divergir muito. Os deuses eram mais parecidos com heróis do que com divindades. Todos realizaram em um passado quase atemporal grandes empreitadas e freqüenteme sofriam mutilações para possuir um dom.

É o caso de Odin, que deu os olhos pelo conhecimento, ou de Heimdall, deus guardião do arco-íris que deu uma orelha, ou de Freyr, deus da guerra que de uma mão ³. Sem esquecer além do mais as infinitas lutas para as quais eram chamados para realizar. Basta pensar nas lutas de Thor e dos Gigantes, que durarão até o fim dos tempos por causa de um ódio considerado "natural" entre o deus e essa raça abominável.

Tolkien, como bom católico que era, não podia limitar-se em apresentar uma mitologia criada à imagem e semelhança da mitologia escandinava. Conseqüentemente encheu a sua mitologia com crenças cristãs. Ele substituiu as Parcas, que teciam o destino dos homens e deuses por Eru o Único, que na sua mente vê tudo o que foi, é e será em Arda. Ele transformou a figura de Odin, que era astuto porém desleal, em um Manwë mais parecido com Jesus Cristo, sendo ele o mais sábio entre os Valar mas enquanto o escolhido para entender o projeto de Ilúvatar (Deus). De Loki, Tolkien criou um perfeito clone de Satanás, o qual é Morgoth. De Thor, deus que combate pelo "ódio natural", ele criou Tulkas, uma espécie de paralelo de São Miguel Arcanjo. Tais trocas de índole refletem-se também em outras raças que, conforme foi dito antes, estão presentes nos mitos que narram alguns semideuses nórdicos. Basta pensar nos elfos, que na Terra-média são (palavras retiradas do canto dos Ainur): "Poucos e dóceis, mas impossíveis de se superar. Eternos mas cheios de uma tristeza incompreenssível da qual trazem beleza."

Ao contrário nos Eddas, eles são reduzidos a espíritos dos mortos, também admiráveis e belos, mas frios e infiéis. E sem citar anões, criaturas malignas que possuem somente o amor pela pedra em comum com o povo de Durin. Os exemplos que podemos citar são infinitos e todos, creio que agora isso é evidente, chegam a uma única conclusão: Tolkien inspirou-se no modelo escandinavo para criar uma mitologia que apoia-se sob os fundamentos cristãos.

Vou concluir observando uma última curiosidade: Para os escandinavos o nosso mundo se chamava Midgard, o mundo do meio (tradução literal para Middle-Earth), situado entre Asgardh, a casa dos deuses Aesir (que ficava no ocidente, assim como Valinor), e Jotunheimar, a morada dos gigantes (que ficava no oriente do qual vinham todos os males da Terra-média).


[1], [2] Acolhemos tais assuntos com cuidado, tratando-se de simplificações um tanto arriscadas sobre vários planos - o antropológico e o gnoseológico. Isto não impede que a tese aqui sustentada, citando a presença de observações sobre o culto monoteísta de inspiração cristã na mitologia criada pelo Professor, seja substancialmente válida e reconhecida por muitos estudiosos (N.d.C.).

[3] Na realidade Freyr é um deus da guerra, bem como da abundância e da fertilidade - faz parte dos Vani e não dos Asi. O "deus da guerra que deu a mão" é Tyr, a qual foi decepada pelo lobo Fenrir enquanto este estava acorrentado.


* Nota de Tradução: recomendo que vocês dêem uma olhada no site Valholl, onde encontrarão muitas informações e materias para estudar a mitologia escandinava. Sobre poesia Eddica e Escaldica, consultem também o seguinte arquivo em PDF.


Texto originalmente publicado em : http://www.eldalie.com/Saggi/tolkien_e_i_miti_nordici.htm
EU SOU RICAAAAAAAAAAAAA!!!
:eusourica: